quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Todos temos sentimentos

2014. Tenho 12 anos de carteira assinada. Um termo típico do meu ramo na indústria. Significa que a 12 anos eu tenho emprego fixo registrado na carteira de trabalho e previdência social. Me é descontado uma parte do meu salário todo mês para quando eu me impossibilitar de trabalhar, temporário ou permanentemente, o governo banque minha sobrevivência. Essa é uma boa teoria, mas vamos ao ponto crucial da historia....
Nesses 12 anos, eu andei por 4 empresas, o que nos dias rotativos de hoje, pode ser considerado muito pouco. Como disse, são dias rotativos, temos épocas em grandes empresas que se troca meio expediente a cada 6 meses. Pode ser 600 pessoas diferentes a cada ano. Isso são muitas pessoas em 12 anos. E para surpresa maior, eu que ando cada vez com menos paciência para socializar, sempre tive uma boa relação com todos. De chefia a equipe de limpeza. Claro, q algumas pessoas eu faço questão de ignorar, mas não se trata nem de 1% de todo montante. Mesmo assim, desse grande numero de humanos, pouquíssimos eu considero amigos q levo p fora da empresa. Pessoas q tenho vontade de ver fora da fábrica onde somos todos explorados. Rui é um desses poucos. Conheço ele a uns 7 anos, ja fizemos inúmeros churrascos na empresa, nos vimos nos finais de semana, bebemos e rimos um da cara do outro em outras muitas situações.  Velórios, greves, ressacas. Tatuei o casal de filhos dele e a irmã dele. Detalhe q ele tem mais de 20 anos a mais q eu. Eu sou mais novo q o filho mais novo dele, e mesmo assim nos damos bem. Bem na medida do possível, já discutimos muitas vezes, por coisas sérias e por bobagens. Coisas q eu tinha razão e coisas q ele tinha razão. Revendo rapidamente agora, aqui escrevendo, eu conversei mais com ele nos últimos 2 anos q com meu pai a vida toda. Ele tem uma defesa firme, aparentemente não gosta de ninguém, ri da e na cara de todo mundo, sempre com pitadas ácidas em suas frases. Esse era o Rui. Fazia do trabalho uma piada e dos erros alheios uma peça trágica. Sempre assim. Seco, frio e objetivo.
Depois de anos de parceria, nas minha férias da empresa, o já idoso pai dele falece. Varias doenças recorrente da idade e uma levou a uma parada cardíaca fatal. Como ja havia descrito acima, ja tínhamos ido a velórios juntos. E dessa vez não foi diferente. Perto do meio dia cheguei na capela onde velavam o pai dele, e o senso de humor dele e de todos os familiares ali era exatamente o mesmo. Difícil é falar sério com aquele povo, e isso torna tudo menos complicados nessas horas frágeis. Depois de algumas horas de piadas em voz baixa e pequenas apresentações chegava o padre na capela para fazer a oração final e fechar o caixão p o enterro de fato. Nunca fui religioso, então os familiares e próximos entraram e eu e alguns poucos antes ficamos de fora apenas ouvindo e respeitando com o silêncio típico.
De longe eu observava os conhecidos naquele momento único na vida de todos. Ali, parado, de longe, apenas olhando, compreendi uma grande verdade da vida.
O Rui tem uma aparência de alemão grosso, sem sentimentos, piadista, sônico/irônico e sempre falador...se calou observando o pai em sua última vez. Ele murchou sua aparência firme, e se calou. Depois da reza toda, o padre se retirou e os mais próximos deram o último toque no corpo já frio. Desde a noite anterior ali, todos envolvidos estavam exaustos e feliz por acabar toda aquela cerimônia.
De longe vi o mesmo homem q tantas vezes gritou comigo, se abaixar e dar adeus ao seu pai se ira de vez. Vi que mesmo eles tem algum ponto fraco, um ponto forte q pode causar um grande estrago se for tocado da maneira certa. Ou errada.
Todos temos sentimentos, detalhes pessoais q mostramos a poucas pessoas, ou a quase ninguém. A poucos. A apenas os mais íntimos. Eu vi o dele na última vez q seria exposto ao mundo, no momento final de todos. A morte mostra outro lado de alguns. Eu já escrevi isso, que em casos extremos vemos o lado forte de cada um, em casos isolados vemos pessoas fortes ficarem fracas e indefesas, e os indefesos em monstros q protegem sua ninhada até a última morte possível.
Em casos extremos, situações mudam. Eu vi meu amigo mudar diante dos meus olhos e quase não acreditei.
Mas foi verdade. Tudo verdade.
Abraço no coração Rui.

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