terça-feira, 21 de maio de 2019

Saudades de um amigo

Eu conheci ele eu tinha já 24 anos
Eu era um jovem metalúrgico com sonhos e incertezas
Já era pai, ja tinha tido umas 6 bandas, já tinha algumas tatuagens, já tinha a hérnia de disco e o ombro fudido
Não é meu amigo de infância
Meu amigo de adulto
Eu entrara a pouco na empresa que ficaria por vários anos
Poucos dias, ainda bem tenso
Turno sa noite
Das 22 as 6 e alguma coisa...
Toca o telefone e eu atendo
Uma voz grosseira e velha, me xingando como se eu devesse algo a ele
Fiquei esperto, poderia ser mais uns dos meus possíveis vários chefes no emprego novo
Depois de uns dias eu descobri
Era um ex-funcionário que voltaria a empresa
Rui
Nome curto de grosso
Igual ele
Grosso
Mas não tão curto
Alemão do bigode laranja
As costas das mãos eram peludas
Ele era mais alto que eu, deveria medir 1,90
Fala e descrições limitadas
Sabia tudo do maquinário e das peças
Tudo
Muito mais que eu
Me ensinou muito do serviço,  materiais, tipos de aço, ferramentas de corte, velocidade, tudo
Nunca negou ensinamento a ninguém que fosse humilde e perguntasse
Ríamos juntos dos que se achavam espertos e tentavam fazer tudo sozinhos e se fudiam!
Meu amigo
Depois, numa empreitada minha como tatuador
Tatuei a filha dele
O filho dele
A irmã dele
E ele morria de medo de se riscar
Vivemos tantas aventuras em uns 11 anos trabalhando juntos
Que demoraria demais pra explicar
As boas histórias sempre eram envolvidas com álcool após o expediente
As ruins eram discussões
Eternas e longas discussões
Ele foi um dos 2 que me apoiaram a entrar pro sindicato e me firmar no meio político com os colegas
Se hoje eu falo firme ao microfone e sou aplaudido ao final da fala
Por toda a empresa que me olha firme durante o discurso
Boa parte disso é culpa dele
Que tanto brigou comigo
E brigava quase todo dia pelas (quase sempre) mesma coisas
Sindicato, empresa, comida, café (que eu nem tomo) peças,  máquinas, chefias, política
Tudo ele brigava comigo
Tinham dias que eu evitava de falar ou ir perto dele pq eu sabia que ele iria certamente brigar comigo
E brigava
Se eu não fosse ele viria
E brigava, xingava e me ameaçava de muitas coisas
Agora revendo tudo na minha mente alcoolizadinha eu percebo
Eu poucas vezes alterei minha voz com ele
E olha que meu sangue fervia demais ouvindo tudo aquilo
Mas eu sem perceber respietava ele
Muito
Uma vez teve uma greve
Muitos não foram
O presidente do sindicato disse que quem fosse trabalhar aquele dis seria um verme
E um outro indicado ao sindicato fez algumas coisas na manhã
E foi a empresa
Depois ele chamou o cara de "verme do sindicato" por meses
Todo maldito dia ele falava isso
Irritava quase todos a volta dele
E eu mesmo irritado junto com todos gargalhava vendo o que ele causava aos outros, ignorando minha própria irritação

Foram anos nesse ritmo
Brigas e mais brigas
Um belo dia o fiscal da segurança do trabalho, visitou a empresa e interditou várias máquinas
Inclusive a minha e a dele
(Que eram igualmente tornos, mas o dele bem pequeno, o meu enorma, 400mm e 4000mm)
Eu tinha a estabilidade do sindicato nas costas
Ele era "velho", uns 52 anos
Trabalhara a  vida toda com a mesma máquina
Não sabia fazer outra coisa
Logo a empresa definiu não atualizar as máquinas
Demitiu ele e mais 2
Eu fiquei
Sobrei ali dentro pela estabilidade que ele me ders indiretamente
Uns meses e ele procedsou a empresa
Se foi demitido por a máquina ser interditada, deveria ganhar insalubre nesses anos, e não ganhara até então
Fui testemunha dele
Saímos da seção
Ele e o genro dele me levaram alguns km de carona, desci e fui pegar meu bus
Foi a última vez que vi ele vivo
Mais uns meses e meu telefone toca numa quarta a noite
Era o número dele me ligando as 23:40
Atendi feliz pela ligação
Voz de mulher jovem
A sobrinha dele
Me avisando
"...o tio Rui morreu a umas 3 horas.... ataque do coração. Caiu em casa e ao chegar a ambulância já estava morto..."
Eu disse que iria ao velório dele no dia seguinte e desliguei
Avisei aos grupos da empresa
Todos mandaram seus respeitos a família
No outro dia fui lá
Família sempre risonha parecia estar numa festa
Mas esse jeito fazia eles ficarem bem sempre
Era legal estar ali
Entrei na capela
Ele morto e frio num caixão
Quieto
Não me xingou
Não brigou comigo
Eu fiquei olhando
Eu nem sabia o que sentir
Apenas mastigava o choro e o engolia de volta, a seco
Eu aprendi tanta coisa com sle que nem consigo medir ou pesar
Que tristeza ver aquilo
Sai a rua e sentei numa pedra
Falei com a familia dele que eu já conhecia
Era uma quinta perto do meio dia
Não almocei aquele dia
Segui minha vida

Meses depois as máquinas foram tiradas do lugar
Agora uns jovens trabalham ali naquele lugar
Eu não passo um dia sem olhar ali e comentar algo dele...
Que saudades dele brigando comigo
E me mostrando que a vida era bem pior do que eu imaginava...
Saudades...

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