A primeira vez que eu presenciei um divórcio
Eu deveria ter uns 8 ou 9 anos
Meus tios
Não lembro porque mas brigavam e terminaram
Depois fiquei sabendo que sempre que se viam era discussão e mais discussão
Eu nao entendia aquilo
Eram casados (suponho que algum momento se amaram)
E depois só brigavam o tempo todo
A vida me faria entender isso amargamente
Eu tinha 19 e fui morar junto com a minha namorada
A promessa do Paraíso nunca foi tão falsa
Essa relação me deu meu filho que é meu maior orgulho da vida
7 anos depois acabou o casório
Brigas
Discussões
Ameaças de processos
3 anos depois de me separar lá estava eu de novo apaixonado e sonhando com uma vida melhor a 2
Esse foi ainda mais desafiador, ela veio do interior pra capital e decidimos morar juntos
Até eu brincava com a metáfora:
"Casar-se pela segunda vez é igual cuecas brancas: a esperança superando a lógica"
Eu já tinha tatuado nos dedos "HOPE", então esperança eu tinha
10 meses de stress, ciúmes e desconfianças depois a lógica venceu
Mais uma vez sozinho
1 ano depois do segundo divórcio que finalmente minha ex do casamento anterior resolveu parar de brigar comigo
Depois que eu quase morri tudo se acalmou
Namorei
A vida seguiu
Acabei o namoro
Tive meus flertes por aí
Todos tivemos
Mas focando no segundo divórcio
Até que foi bem amigável comparado com muitas experiências por aí
Ainda nos encontramos algumas vezes
Algumas muitas
Nos gostávamos, a relação que cansou a todos
Mas sempre existiu uma parceiria
Ela teve um caso mais sério com outro cara
E resultou num segundo filho pra ela, que já tinha um do casamento anterior ao nosso
O caso nao durou mas a criança segue firme e saudável
Curiosa e esperta como toda criança deve ser nessa idade
Num dia qualquer que eu estava livre fui visitar ela
Largamos a cria na escola e ficamos na casa dela
Deitados os 2 a cama
Olhando pro teto e conversando
Narrando os últimos meses passo a passo um pro outro
Assunto rolando ela lembrou que achara um arquivo com várias fotos do tempo que estávamos juntos
Foi legal rever
Passeios nós e nosso babys
Dia a dia em casa mesmo
Várias fotos aleatórias
No final alguns vídeos
Fomos assistir juntos depois de 5 anos da gravação
Um vídeo era eu gravando ela arrumando as coisas e fazendo piadas
Ela ficava brava mas logo abria um sorriso lindo
Vários vídeos era nós transando
Umas posições bizarras
Umas bem engraçadas
Do nada o vídeo virou um close dos nossos rostos
Devia ser inverno
Estávamos na cama cobertos
Eu beijei o rosto dela e disse que a amava
Ela disse o mesmo
Nós 2 vendo aquilo depois de tanto tempo
Ficamos constrangidos
Muito
Incrível que no sexo era tudo engraçado mas na declaração de sentimentos era constrangedor
Terminamos de ver o vídeo
Transamos
Saimos da casa dela
Fomos fazer algumas coisas que ela precisava e na volta pegamos o baby na escola
Viemos nos passos curtos dele pequeno e viemos converdando ainda sobre a vida
Pegamos algumas cervejas e fomos tomando
Passamos por uma casa e eu falei:
- "Essa tem mais a nossa cara... nos serviria bem..."
Nem percebi mas me referi a nós novamente como um casal
Foi instinto
Falamos e relembramos bastante nisso
Saiu ao natural
Seguimos a caminhada e eu me fechei um pouco numa reflexão
Era um bairro humilde
Tive uma visão com aquilo
Uma rua longa
Cheia de casas iguais
Familias com 2 ou 3 filhos
De dia os pais trabalham
Todos tem empregos que gostam
De dia os jovens estudam e curtem seu meio turno livre
Os mais velhos cuidam dos mais novos
Todos se conhecem por apelidos
No fim da tarde, início da noite os pais chegam
Todos sentam em roda a frente de suas casas
Conversam dos seus dias
Se dão bem
Tudo parece um episódio de seriado enlatado americano
Tudo limpo, todos saudáveis
Fiquei por alguns segundos sonhando com uma vida assim
Foi então que eu percebi
Esse lugar que eu imaginei tão rapidamente
Eu já vivi isso
Não tão colorido e lúdico
Mas vivi
A diferença grandiosa entre o que eu vislumbrei e o que eu de fato vivi
É que me imaginei sendo um dos pais
E vivi quando eu era uma das crianças
Me assustei com essa comparação
Mas era verdade
Eu visualizei a cena pensando em situações que não existem mais
Um filme passou na minha cabeça quando eu lembrei da cena que eu vi no vídeo
Eu e ela deitados lado a lado e dizendo que nos amávamos
As casas cheias de vida
Isso não existe mais
Nunca me senti tão nostálgico
Talvez a vida realmente fosse melhor quando tudo era bem pior
Ou com o peso da idade o futuro vai ficando escuro e o passado cada vez mais brilhante e sedutor
Como se tivesse de fato muito alegria
...
Chegamos a casa dela e o baby brincava pela sacada
Eu ja morei com ela naquela casa
Sei onde tem um ar fresco da rua
Me sentei ao chão, ao lado da porta
Ela sentou na porta e o baby seguia dando seus passos em falso
Lembrei de quantas e quantas vezes eu sentava naquela mesma posição
Ficava aguardando meu amor chegar do emprego que a tirava de casa a semana toda
Eu sentava e espersva ela chegar
Ela só voltava na sexta
Sexta eu sentava lá de novo
Sentava as 20 horas
Ela chegava as 4 da manhã
Parecia que eu tinha ficado ali a semana toda
A eternidade da espera é absurda
Tentei focar nessa fase ruim que vivi com ela, tentando ofuscar o brilho dos pensamentos nostálgicos e fantasiosos que tive pouco antes
Não consegui
Parecia que minha vida se alinhára nela de novo
Parecia que esse dia que passei com ela iria durar pra sempre
Todos os sentimentos possíveis se misturavam ao mesmo tempo na minha cabeça
Eu comecei a chorar em silêncio e estiquei a mão pra pegar nela
Toquei o pé dela
Ela esticou a mão dela por cima da minha e me tocou
Firme e quente como ela sempre fez
Mais uma vez o projetor ligava na minha cara
Era a mesma cena, de nós na cama e juras de amor
Aquilo tinha 5 anos e pareceu mais recente que meu último piscar de olhos
Mas não era
Era tudo uma ilusão forçada pela minha carência, pela atenção que ela me deu aquele dia todo e pela cerveja gelada que eu estava tomando
Jantamos
O baby apagou de cansado
Eu contei pra ela todas as coisas que eu pensei nessas últimas horas
Ela sorriu e achou bonitinho
Fomos pra cama
Eu disse que amava ela de verdade
Ela me olhou com um olhar doce que só ela consegue ter e me apertou a mão firme
- "Eu sei disso e eu nunca deixei de gostar de ti como eu gostei..."
Acho que a única parte boa em ser adulto é se sentir melhor com seus próprios sentimentos e (algumas vezes) conseguir falar isso abertamente
Incrível
Parece que depois de divorciados a gente se entende e se respeita e ate mesmo se gosta de uma maneira mais saudável do que antes....
Talvez essa seja a diferença da esperança pra lógica
A esperança real nunca morre
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